14/09/19
Livro O fim do envelhecimento: a ciência perto de conseguir o "impossível"
A reversão do envelhecimento não é um tema menor: todo dia morrem cerca de 110 mil pessoas no mundo por doenças relacionadas ao envelhecimento, com um sofrimento indizível de doentes e parentes; livro que explica como desfazer o envelhecimento acaba de ser lançado em português, com uma extensa entrevista em vídeo do autor, Aubrey de Grey
É imensa a quantidade de pessoas que gostariam que o envelhecimento pudesse ser desfeito. Também há as que não gostariam, mas o fato é que não é por falta de interesse que até hoje o ser humano não conseguiu reverter (ou interromper) o processo de envelhecimento, que torna a morte inevitável após algumas décadas de vida. A questão é: o fato de, mesmo com tanto interesse, a humanidade nunca ter conseguido reverter o envelhecimento significa que isso é impossível?
Voar também foi um sonho ancestral do ser humano. Quantos de nós já não sonhamos que voamos? Durante milênios, não faltaram histórias e lendas sobre pessoas que voavam, de uma forma ou de outra. Porém, por muito tempo, a humanidade não teve os meios tecnológicos para voar. Até que foi inventado o avião. Assim, o fato de até hoje não ter sido possível reverter o envelhecimento não significa que não o será no futuro, pois é possível que simplesmente ainda não tenhamos alcançado o nível tecnológico necessário para tanto. E mesmo que, em princípio, chegue-se à conclusão de que em algum momento do futuro possa ser tecnologicamente possível reverter o envelhecimento, surge uma nova pergunta: esse futuro não vai ser longe demais, a perder de vista, muito depois da nossa morte?
Para responder a essa pergunta, temos que, evidentemente, observar a realidade. Em que pé está a ciência que estuda a questão? Um imenso avanço que ocorreu nas últimas décadas foi o fortalecimento progressivo de uma definição de envelhecimento que aponta um caminho factível e relativamente rápido para se revertê-lo. Essa definição é que o envelhecimento é o acúmulo de danos a nível celular e molecular causado pelo funcionamento normal do metabolismo. Assim, reparar esses danos levaria à reversão do envelhecimento. O cientista que propôs essa definição de forma organizada e embasada e é em grande parte responsável por ela ser aceita em amplos círculos científicos hoje em dia é Aubrey de Grey, autor do livro "O fim do envelhecimento", que teve sua edição em português lançada em junho deste ano de 2019. A obra é o livro clássico da moderna ciência do rejuvenescimento, que se propõe a reparar os danos do envelhecimento que fatalmente nos levam a desenvolver as doenças relativas ao envelhecimento, como o mal de Alzheimer, o mal de Parkinson, o câncer, as doenças cardiovasculares e a diabetes.
Mas quão próxima está a ciência de desfazer os danos do envelhecimento e evitar e reverter essas doenças? Em termos históricos, está muito perto. Há uma considerável chance de que o faça em menos de 20 anos. E como é possível afirmar isso? Porque já existem testes realizados em humanos que, pelo menos em resultados preliminares, indicam que algumas tecnologias para reverter o envelhecimento são efetivas. Ainda são testes em pequena escala e com pequenos efeitos, mas quem vivenciou o avanço tecnológico dos computadores dos anos 80 até hoje, ou dos telefones celulares dos anos 90 até hoje, entende a rapidez com que uma tecnologia pode avançar, uma vez comprovada sua viabilidade. E alguém duvida que medicamentos que rejuvenesçam as pessoas têm o potencial de ser a maior indústria que a humanidade já viu?
Mas vamos falar mais concretamente desses testes em humanos. Há uma empresa nos Estados Unidos chamada Unity Biotechnology que está testando um medicamento para artrite no joelho baseado na eliminação de células senescentes. Certo, mas o que isso tem a ver com rejuvenescimento? Ocorre que o acúmulo de células senescentes é, segundo boa parte da comunidade científica que estuda o envelhecimento, um dos principais componentes do envelhecimento. Essa tese foi proposta, organizada, embasada e impulsionada por Aubrey de Grey, autor de "O fim do envelhecimento", e é explicada em detalhes no livro. Aquilo que de Grey vem propondo há anos finalmente está sendo posto em prática pela comunidade científica e pelas empresas de biotecnologia. O que a Unity Biotechnology está fazendo é testar a tecnologia de eliminação de células senescentes para uma doença específica, que é a artrite no joelho, porque nos EUA é muito mais fácil conseguir que a agência que regula os testes clínicos — no caso, a FDA — aprove um teste focado em uma doença específica do que um teste focado no envelhecimento em geral.
E como estão indo esses testes da Unity Biotechnology? Nos EUA, é preciso passar três fases de testes para receber a aprovação da FDA para um medicamento. A Unity já realizou a primeira fase, que além de constatar que o medicamento é seguro, proporcionou fortes indícios de que é efetivo. Porém, a primeira fase de testes é realizada em poucas pessoas, e assim, a empresa está se encaminhando para realizar a segunda fase de testes, que ocorrerá neste segundo semestre de 2019, com os resultados sendo divulgados no primeiro semestre de 2020. Se essa segunda fase, realizada com muitas dezenas de pessoas, confirmar os resultados de eficiência da primeira fase, estará muito perto de ser comprovada a eficiência da eliminação de células senescentes para a cura de doenças humanas — ou pelo menos deste problema de saúde, artrite no joelho. Levando-se em conta que antes de realizar a primeira fase, a Unity já havia angariado recursos de investimentos de centenas de milhões de dólares, se tiver sucesso na segunda fase, não faltarão recursos financeiros para a terceira fase, que é de longe a mais cara de todas.
Quem se interessar pode acompanhar os testes clínicos da Unity pelo site da FDA. Porém, para entender o contexto dos testes, e não ficar perdido nesse oceano de notícias sobre saúde e envelhecimento que caracteriza os meios de comunicação modernos, é preciso ter um mínimo conhecimento da área; não necessariamente o conhecimento de um cientista, mas pelo menos de uma pessoa informada e culta o suficiente para entender a química e a biologia básicas sobre o assunto. E esse é o papel do livro "O fim do envelhecimento". É um livro semitécnico, ou seja, nem tão difícil que só cientistas possam ler, nem tão fácil que qualquer um possa compreender. Mas quem quiser entender o vendaval que virá quando "cair a ficha" da humanidade, em poucos anos, de que o envelhecimento pode ser revertido a curto prazo, tem no livro "O fim do envelhecimento", agora em português, uma ferramenta até o momento insubstituível. O livro, originalmente escrito em inglês, já tem tradução para alemão, espanhol, russo, italiano, japonês e francês. Aubrey de Grey é PhD pela Universidade de Cambridge (Reino Unido), diretor científico da Fundação de Pesquisa SENS (EUA), vice-presidente de novas descobertas tecnológicas da empresa de biotecnologia AgeX e editor-chefe do periódico científico Rejuvenation Research.
No lançamento do livro, em São Paulo, em 24 de junho de 2019, de Grey deu uma entrevista para mim, que sou um dos tradutores e editores do livro (junto com a Nina Torres Zanvettor), e também respondeu a algumas perguntas do público. O vídeo completo do lançamento com a entrevista, além de vídeos com partes específicas da entrevista, pode ser encontrado no canal de YouTube da NTZ Publicações
( https://www.youtube.com/channel/UCUASjdn96BRlGVytmbDgRRA ),
e o livro está disponível na Amazon no link
https://www.amazon.com.br/Envelhecimento-avanços-poderiam-reverter-envelhecimento/dp/8554106024. Se a humanidade não aprender a desfazer o envelhecimento, ele vai matar todas as pessoas que existem hoje, sem exceção, se não morrerem por outra razão antes. Quem achar isso uma coisa ruim, é livre para se juntar à jornada para desfazê-lo. Há inúmeras formas de ajudar, e quem se dispuser a fazê-lo, com certeza vai encontrar uma.
Nicolas Chernavsky é jornalista formado na USP e tradutor e editor de livros de biotecnologia.